Há alguns anos, era muito comum viajar para o Rio de Janeiro. Era a minha segunda cidade. Fosse nas férias, de passat bege, fosse durante um final de semana, de Riviera, sempre parávamos em Pouso Alto, no "Pires Alto". Lá, além das tradicionais empadinhas, sempre topava com Janetes e Iolitas, que, com as bocas cheias, gritavam mastigando para as colegas da excursão:
- Sandra (croc croc croc)! Sandra! Vem que tem Exxquibom!
E voltavam pro ônibus lambuzadas de sorvete. Eram trupes de recém entradas na terceira idade indo para São Lourenço, tomar uma aguinha sulfurosa. Além delas, tinha o sujeito que trabalhava como caixa no bar. Não perdia a chance de cortejar alguma mulher que parecia solteira. Sorria e devolvia moedinhas com afagos. Ficava dentro de um aquário cheio de balas. Era chamado por nós de "o tarado das balas".
Mas isso tudo era só a metade do caminho. O destino mesmo era a casa da vovó, que já na adolescência virou a casa dos meus avós.
Com a idade, a viagem foi até ficando mais rápida. O tempo para os mais velhos, no entanto, foi ficando escasso. Mesmo viajando de avião, não cheguei a alcançar minha avó, que partiu sem que pudesse me despedir. Sem ela, o apartamento precisava ser renomeado, para que pudesse carregar aquela dura realidade. Não era mais a casa. Era apartamento mesmo, o apartamento do meu avô, um modo de se dizer um pouco mais formal. Porém, ainda não se faz diferente. O tempo despeja os minutos e com eles despeja mais vidas. Alguns anos depois, meu avô e dono do apartamento também se foi.
Ontem estive lá. Já não havia móveis. Os quadros já não estavam mais pendurados nas paredes. Não havia mais fotos. Senti o cheiro da casa da vovó, que resistia. Mas já não havia mais movimento. Já não havia mais vozes. Nem ecos. Não era mais a casa da vovó. Não era mais a casa de meus avós nem tampouco o apartamento de meu avô.
Sozinho ali, esfregava as mãos, pois fazia um pouco de frio. Caminhava por ele, mas ele agora estava estático. Sem vida.
Tornou-se imóvel.